A Vila Viçosa parece Ter nascido para não mesmo prosperar, a começar
deste seu nome que não perdurou, que não vingou como devia, ou como merecia. A
denominação "Viçosa" foi suplantada pela de "Tutóia".
Entrementes, deveras impressionante foi o fato da instalação da sede, por duas
vezes, em um mesmo lugar: uma em 1.758 e outra em 1.890; e nem assim, com esse
privilégio histórico, a vila logrou êxito. Aquela sede parece que estava fadada
a não ser o coração político-administrativo da vila. Estagnara de tal forma e a
ponto tão visível retrocesso econômico que a consequência mais previsível e
lógica foi a transferência definitiva do seu início político para outro rincão
do município. Mas isto, depois de primeiramente passar por uma lamentável
situação, que foi o vexame de perder seu território para o município de
Barreirinhas, em 1.859, cuja condição política ainda bem que durou um tempo
relativamente pouco considerável, como veremos pormenorizadamente mais à
frente.
O declínio da vila Viçosa, em caráter irremediável, contou com uma série
de fatores político-sócio-econômicos, que interferiu incisivamente na sua
performance histórica. E, entre eles, destacam-se a completa ineficiência e
ineficácia dos primeiros administradores da vila, os quais, além de serem
constituídos apenas de índios, totalmente despreparados para o encargo que lhes
confiaram, os mesmos nem ao menos falar o português sabiam. O que,
evidentemente, prejudicaria o perfeito relacionamento entre os ditos administradores
e as demais autoridades de outras esferas administrativas; apesar de terem um
intérprete oficial que lhes facilitassem uma melhor comunicação com o mundo
civilizado dos brancos. Mas isto, apenas minimizara o problema e não
solucionara integralmente.
A propósito do completo desconhecimento do idioma português pelos
dirigentes da vila, enfoquemos um pequeno trecho do auto da fundação da mesma,
já anteriormente descrito, o qual nos esclarece:
" ... e como juntamente se fazia indispensável criarem-se justas
diligências que não pode exercer-se com as formalidades da ordenação do Reino
por falta de inteligência em que laboram os moradores índios, visto como apenas
se acha algum que muito mal sabia proferir algumas palavras do idioma
português"...
Uma causa que, por outro lado, precedeu a esta e às demais foi o
banimento dos jesuítas do Maranhão, que deixou os moradores da antiga Missão de
Tutóia inesperadamente privado da presença, da liderança e da doutrinação
oriundas dos famoso missionários. Estes, foram expulsos entre 1.759 e 1.760,
mas quando da fundação da Vila Viçosa, em 1.758, já os inacianos, que criaram e
deram os primeiros impulsos à Missão, estavam praticamente privados do convívio
com os Tremembés, inclusive, até seus bens já tinham sido sequestrados pela
coroa, e deixando, por conseguinte, uma sequela gigantesca um caos terrível na
vida grupal daqueles moradores. Na verdade, as fazendas de gado, as salinas,
olarias, lavouras de mandioca, ao lado da própria catequeze, cosistiam um elo
vital entre ambos os lados, subjugadores e submissos.
A ausência dos inacianos repercutiu de tal forma na vida econômica da
vila, negativamente que nove anos após sua fundação, ou seja, em 1.767, o
governador da época, Joaquim de Melo e Póvoas, num dos seus relatórios
endereçados à Sua Majestade, datado de 17 de junho desse ano, e a nós exibidos
por Marques, expõe a lamentável situação econômica à qual estava relegada a
vila, nestes termos:
"Na Vila Viçosa de Tutóia (...), pus também um novo diretor pela
achar pouco adiantada, ainda que no dito diretor não achei culpas, e só por
viver distante da dita vila, e estar encarregado da administração das fazendas
que foram dos jesuítas naquele distrito, e tirei e recomendei muito ao novo
diretor o adiantamento daquela vila, ainda que não achei ali coisa em que
pudesse estabelecer comércio, e o maior, que fizeram aqueles índios, que são
Tremembés, é o da pesca das tartarugas, em que poderão ganhar grosso dinheiro,
se se aplicarem como devem..."
Por este relato, observa-se que os índios, em sua maioria, não se
aplicavam mais a lavoura nem a pecuária nem ao comércio, mas tão somente à sua
primitiva forma de trabalho, que era o extrativismo vegetal e animal, sendo
desta, a pesca, sua base fundamental de sobrevivência. É, no mais, como
garantir a prosperidade da vila? O próprio governador, anteriormente frisado,
percebendo a grande inibição econômica da mesma, entre outras providências,
para ver se a liberava do sofrível atraso, designou um novo diretor para gerir
os negócios da vila, referentes aos bens deixados pelos padres.
Estes bens, constituídos, como já vimos, essencialmente de várias
fazendas de gado, produziam para a Coroa uma boa quantidade de bovinos,
dizemos, para a Coroa, porque, efetivamente, a renda proveniente das mesmas
eram privativas do erário real e os moradores e os administradores da vila, não
tinha acesso aos gastos provenientes deste tipo de receita pública, Porém, ao
contrário, se as ditas fazendas fizessem parte do patrimônio da Câmara da Vila,
aí sim, esta teria melhor condição de promover sua ambiciosa prosperidade.
Mas, cremos que nem assim a sorte sorriria ainda para a vila, uma vez
que a comercialização do gado, ali, não tinha bom resultado, pois, os
compradores pernambucanos, os principais que se aventuravam com este tipo de
negócio por essas paragens, não queriam comprar o gado nem a dinheiro e nem a
preço justo; mas tão somente, dentro do jogo da esperteza, comprá-lo a troco de
peças de tecido, cambiando um produto pelo outro, numa sistemática de negócio
economicamente prejudicial para o erário real. É o que se pode concluir pela
análise de mais uma parte do texto do predito relatório, onde se refere à
viagem e as providências do governador Joaquim de Melo e Póvoas, levadas a cabo
na vila de Viçosa.
"Neste giro que fiz, estive nas fazendas que foram dos mesmos
jesuítas, chamadas Santo Agostinho, Santo Inácio e Alegre, e queixando-se-me o
administrador de que nos barcos, que vem de Pernambuco comprar gados à
Parnaíba, não tinham estes boa saída, porque os barqueiros os não queriam
comprar senão a troco de fazenda, e por preços mui diminutos, mandei passar por
todos os bois capazes de açougues para a fazenda de Alegre, porque ali se pagam
a 2$200 réis, e se conduzem para os açougues desta cidade e vila do Paço do
Lumiar, no que acho ter utilidade à Fazenda Real e também a estes povos".
Esta constatação verificou-se em 1.767, como vimos, ao tempo daquele
eminente governador Joaquim de Melo e Póvoas, que analisava o comércio, na
localidade, como a passar por uma crise praticamente irremediável, apesar do
seu visível esforço no intuito de implantar ali uma base econômica, que pudesse
assegurar a sobrevivência da vila. Ou conforme repetição de suas palavras:
" Ainda não achei ali coisa que pudesse estabelecer comércio".
Pelo idos de 1.810, ou seja, no começo do século XVIII, quando Raimundo
José de Sousa Gaioso elaborava sua grandiosa obra, já anteriormente citada, o
insigne cronista analisava a situação de Viçosa, desta forma: "... a sua
exportação é quase nenhuma, por ser pequena a sua cultura".
De fato, pelo que já tivemos ensejo de abordar, a atividade quase
inexistente, pois, o que parcamente era produzido, derivado sobretudo da
mandioca, era consumido pela população e sem ter o que exportar e garantir a
comercialização. E esta precária condição econômica deve ter durado mais de
meio século, porque, em 1.870, quando Marques publicou seu selebérrimo
Dicionário Histórico e Geográfico, ele não deixou de avaliar o seu estado
melindroso em que se encontrava a vila, nestes termos:
"Esta vila, que, como diz Gaioso, oferece tão bom porto para
embarcações de alto bordo, está em decadência quando só pelo comércio tanto
poderia florescer!".
Associadas a estas, outras cousas também tiveram expressão, uma mais e
outras menos, mas, conjuntamente determinadoras do resultado negativo que
influiu decisivamente no declínio da mesma. Por exemplo, a demografia dali
parece que estagnara, explicada pela desagregação gradativa dos seus moradores,
constituída, como vimos, exclusivamente por silvícolas, os quais tiveram suas
gerações infrutíferas e não preservadas posteriormente, dado à exploração, a
nível de escravismo, da dita mão-de-obra e bem como, enfim, pelo o estado de
marginalização geral em que foram relegados. Sobretudo, considerando que os
colonizadores brancos que àquela região se aventuravam, parece que não sentiam
muito atrativo pela moradia na sede da vila, pois, a grande maioria deles
preferia se fixar em rincões distantes e mais apropriados para a exploração de
suas atividades agropastoris. Como de fato vimos, os senhores de engenho de
açúcar e aguardente bem como os criadores de gado fizeram questão de se fixar
às margens e campos adjacentes aos rios da Fone ( ou formigas ), Rio Novo, Rio
Carrapato, Cangatá, Barro Duro, Riacho Boa Esperança, entre outros; cujos
senhores e fazendeiros, diante dos precaríssimo comércio praticado na vila, bem
como das dificuldades de comunicação com esta, entabulavam negócios
praticamente mais com a adiantada vila da Parnaíba, no Piauí, ou com São Luis,
no Maranhão, através da costa litorânea, do que com aquela modestíssima sede
política, desolada e desassistida pelos sucessivos governos do Maranhão,
durante quase todo o século XVIII.
No campo legislativo, vamos deparar também com as provas determinantes
do completo menosprezo em que viçosa ficou relegada. Por exemplo, em 1.835, foi
promulgada a comarca de São Bernardo, pela Lei provincial nº 07, de 29 de
abril, que estabelecia Tutóia como termo da mencionada comarca, por cuja Lei,
curiosamente, não se evidencia mais a presença da denominação "Vila Viçosa
de Tutóia", mas tão somente – "Vila de Tutóia" ( Tutoya ),
omitindo o nome original pelo resumo do último, que predominou merecidamente.
Como consequência desse ato jurídico, a outrora "Câmara Municipal
de Viçosa da Tutoya," a partir de 1.835, passou a designar-se "Câmara
Municipal da Vila de Tutoya", cuja designação é também citada por Ribeiro
do Amaral, fazendo referência a um documento, segundo ele, de nº 21, onde conta
que, "em 1.845, aos vinte e dois dias do mês de janeiro (...), em a casa
da câmara municipal da vila da Tutóia, onde, em sessão ordinária, se achava
reunidos o presidente e demais vereadores"...
Um outro acontecimento, em 1.959, vejo inibir ainda a situação político-econômico da terra em estudo, que foi a criação da freguesia de
Barreirinhas, pela Lei provincial nº 481, de 18 de junho, que, para compor seu
território, teve de englobar terras das freguesias de Tutóia, Brejo, Humberto
de Campos ( naquele tempo, Miritituba ) e São Bernardo.
Enfim, como se não bastasse a perda de parte de seu território,
inclusive a supressão do nome original, Tutóia foi outra vez atingida
violentamente na condição de ser, político-jurídica, 1.871. Neste ano, foi
promulgada a Lei provincial nº 954, de 14 de junho, que extinguiu o vínculo
jurídico do termo Tutóia da comarca de Brejo, e, ao mesmo tempo, suprimiu
aquela dita vila e a incorporou integralmente à recém criada "vila de
Nossa Senhora da Conceição de Barreirinhas, para onde consequentemente foi
transferida a sede da ex-vila tutoiense, conforme estabelecido no art 1º da
mencionada Lei. O que aliás, como corroboração deste ato, consignaram
Barreirinhas em Comarca no ano seguinte, pela Lei Provincial nº 95, de 15 de
junho de 1.872, quando todas as atividades político-jurídicas da extinta vila
passaram a ser processadas na referida nova sede.
Destarde, relembrando, a vila que nascera "Viçosa", em 1.758;
que conservou esta denominação até 1.835, quando passou a chamar-se
"Tutóia", que desapareceu do cenário político-jurídico, entre
1.871/1.872, reapareceu vinte anos depois, ou seja, a 1.890, pelo Decreto nº 53
de dezembro desse ano, o qual desanexou seu antigo território do de
Barreirinhas e o deixou novamente com autonomia político-jurídica; com o detalhe
de que, a sede da vila restaurada retornou para o seu antigo lugar, para o que
chamamos atualmente – Tutoia Velha.
De idêntica forma, tal situação perdurou pouco, uma vez que, onze anos
após, foi promulgada a Lei nº 297, de 16 de abril de 1.901, que transferiu a
sede do dito lugar para a povoação "Porto de Salina", sita à margem
esquerda do igarapé Comum, onde já se divisava um patente núcleo progressista,
com casas de negócios, boa população, próspera fábrica de sal e excelente porto
marítimo.
Para que a tal mudança política e econômica se processasse, com relação
à antiga e nova sede, muito influiu a incisiva participação do Coronel Paulino
Gomes Neves, que pode ser considerado o indiscutível fundador da nova vila. O
seu trabalho empreendedor, no resultado positivo da vida da Tutóia, merece
peculiar destaque.
Após efetuar seus estudos elementares na Capital do Estado, regressou
para seu rincão natal, onde fixou residência e declinou seus projetos tanto
econômicos como estadísticos. Na verdade, percebendo ele, intuitivamente, que
pela enorme distancia entre a vila e a costa, bem como por outros obstáculos,
dificilmente esta progrederia. Por isso, também pensando em sua autoafirmação
econômica, resolveu fazer uma sondagem da costa litorânea, na busca de um local
propício para instalação de uma salina e de um porto marítimo. Sendo que, neste
percurso, deparou apenas com ranchos de pescadores, incrustados aqui e ali, na
região espraiada, entre alvíssimas dunas e a solidão dos tempos milenares.
Porém, ao assomar à margem do igarapé Comum, sentiu-se satisfeito, por
deparar com um local propício aos seus dois sonhados projetos. De forma que,
sem perca de tempo, construiu logo barracões, que serviriam de moradia aos seus
trabalhadores, onde pôs para funcionar um entreposto comercial, a fim de que,
consequentemente, também ficasse garantido o funcionamento da pequena salina
construída, que ficou sob a administração de seu preposto e amigo, Sabino da
Conceição.
Esta salina, que deu ensejo a um crescente número de moradores, os quais
constituíram uma vistosa povoação, mais próspera e mumerosa do que a sede
municipal, fez com que o coronel Paulino Neves sentisse a necessidade de
transferência da mesma, do antigo para aquele novo local.
E o que foi feito. Desfrutando o aludido empreendedor, de largo
prestígio junto ao então governador João Torreão da Costa, conseguiu que a sede
saisse do seu lugar de origem e fosse instalada na povoação Salinas, mediante a
Lei nº 297, de 16 de abril de 1.901, anteriormente citada.
A respeito da conservação do nome "Tutóia", a monografia
"Tutóia, terra das Areias Brancas", informa que a intenção inicial
era de designar-se de "Salinas" à nova vila; no entanto, foi
verificado que já existia semelhante denominação em um outro município brasileiro.
Sendo que, em substituição, os filhos de Paulino Neves sugeriram -
"Paulinópolis"; mas que foi rejeitado modestamente pelo mencionado
fundador, que decidiu manter o tradicional nome de "Tutóia".
Finalmente, para ilustrar tais considerações, enfocamos a dita Lei que,
em 1.901, criou a referida vila:
"Lei nº 297, de 16 de abril de 1.901.
Eleva à categoria de vila com a denominação de Tutóia a povoação Porto
de Salinas.
O Dr. João Gualberto Torreão da Costa, Governador do Estado do Maranhão.
Faço saber a todos os seus habitantes que o Congresso decretou e eu sancionei a
lei seguinte:
Art. 1º. Fica elevada à categoria de vila, com a denominação de Tutóia,
no município deste mesmo nome, a povoação Porto de Salinas e transferida para a
nova vila a sede do mesmo município.
Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário.
Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução da presente Lei pertencerem, que a cumpram e façam cumprir tão
inteiramente como nela se contém.
O Secretário do Governo a faça imprimir, publicar e correr.
Palácio do Governo do Estado do Maranhão, 16 de abril de 1.901, 13º da
República.
J. G. Torreão da Costa
Publicada na Secretaria do Governo do Estado do Maranhão, em 16 de abril de 1.901.
Servindo de Secretário
Thomaz da
Silva Maya
E.J. d Albuquerque Mello a
Fez"